
Tradição e história na noite
Há algum tempo, eu fiz uma promessa um tanto quanto cômica: prometi a mim mesmo que, quando passasse por Ribeirão Preto, iria entrar na cidade só para ir ao Pingüim tomar um chopp. Era um só, mas tinha que ser lá.
Para quem nunca ouviu falar, o Pingüim é um bar clássico de Ribeirão, inaugurado em 1930 quando ainda existiam os famosos barões do café de São Paulo. Quem chega lá pela primeira vez não entende por que tanto se fala dele, pois a sua estrutura é tão simples quanto a de qualquer outra chopperia tradicional. Mas a magia não está na construção, muito antiga por sinal, e sim nas lendas que correm sobre o Pingüim, no seu chopp fantástico, na história de um local que está aberto ao público há mais de sessenta anos. Dizia-se antigamente que o Pingüim tinha uma ligação direta com a fábrica da Antarctica, que fica a cerca de um quilômetro do local, e que o chopp viria de lá para a mesa do freguês, passando por centenas de metros de serpentinas.
Pois é, eu estou falando do Pingüim para dizer da importância de locais de "lazer" clássicos como ele. É que outro dia, quando eu estava em Uberlândia, ouvi alguém reclamar dos bares de cidade, principalmente do London, dizendo que já era hora de fechá-lo para inaugurar outra coisa no lugar. Meus Deus, como alguém pode dizer isso?! É esse mesmo pensamento que derruba construções lindas do século passado para dar lugar a edifícios de arquitetura idiota, idéia de quem não tem idéia. Santa falta de cultura! Tradição, história e nome são muito difíceis de se conseguir, porque dependem acima de tudo de tempo e paciência, dois fatores muito complicados de se ter.
Só para dar uma idéia, na Europa as pessoas sentem o maior orgulho de locais clássicos, como bares de mais de um século e casas noturnas famosas. Isso pra não dizer de palácios, museus, construções e por aí afora. Às vezes uma cidade é conhecida apenas por uma local famoso, que atrai turistas de todos os cantos, divulgando o nome da cidade. Então, quem seria louco de mandar pro espaço um local desses?
Voltando aos bares, quem vai a Londres e não conhece o Hard Rock Café já é comparado a quem vai lá e não conhece o famoso Big Ben, ou então o Palácio de Windsor. E o que é que tem de interessante nele? Além da magia do nome e da tradição, nada demais. As bebidas são caríssimas e não há muita coisa para diferenciá-lo dos outros bares. Mas eu repito: é a tradição! Primeiro, porque o Hard Rock é uma rede de bares espalhados pelo mundo todo (infelizmente o Brasil ainda não faz parte desse mundo!). Segundo, porque foi em Londres que surgiu o primeiro Hard Rock Café, com aquele famoso símbolo da guitarra. Agora, será porque os "brothers" da Inglaterra conseguiram transformá-lo no que ele é hoje? Porque investiram pesado na divulgação do nome e também foram firmes em não fechar a casa. Aliás, uma das lições mais importantes que aprendi no meu curso de Publicidade & Propaganda foi a do valor das marcas. Clássico: o que é a Coca-Cola? Nome, só isso. É claro, um nome do século passado e que recebe, todos os anos, milhões de dólares para a sua divulgação.
Voltando à terra da neblina, há alguns meses foi noticiada a compra pelo famoso bispo Edir Macedo de uma das mais famosas casas de shows da Inglaterra, que viraria um novo templo da Universal. O bispo por acaso conseguiu? De jeito nenhum! Enfrentou uma barricada de jovens defendendo um local histórico, onde várias bandas importantes tocaram, seja no começo, no meio ou no fim de suas carreiras. O Led Zeppelin tocou lá, por exemplo, num show inesquecível. Agora, já pensou que tristeza seria ver um pregador arrebatando "ovelhas" sobre o mesmo palco de onde emanou o som celestial da guitarra de Page?
É por tudo isso que eu me revolto quando ouço uns otários, iguais ao meu conhecido, que ficam falando em fechar um local já tradicional na cidade. Se ele não sabe, gente de todo o Brasil já ouviu falar do bar que ele pichou e gostaria de ir a Uberlândia apenas para conhecê-lo. Falo isso com a segurança de quem já ouviu várias pessoas dizendo isso.
Depois de tudo, digo apenas que precisamos criar história, e nem preciso dizer como se faz para criá-la, não é?
P.S.: Já cumpri a minha promessa!!!
Alexandre Henry