
Saudades de um ídolo
Daqui a poucos dias, já serão dois anos desde a morte de Ayrton Senna, um cara que dispensa comentários a seu respeito. Lembro-me bem daquele 1º de maio, dia do trabalhador. Sem dúvida o Senna era um legítimo representante dos trabalhadores, no sentido de que ele fazia o melhor de si para ser perfeito na profissão por ele escolhida. E aquele final de semana havia começado mal, na sexta-feira um acidente incrível quase acabara com a carreira de uma nova promessa do automobilismo brasileiro, o jovem Rubens Barrichello. Depois, veio o sábado e com ele a primeira morte no circo da Fórmula 1 depois de vários anos, quando todo mundo já considerava perfeita a segurança dos carros.
No domingo, eu acordei com o barulho rotineiro da pensão onde morava, lavei o rosto e fui para a sala assistir ao GP na única televisão da casa, sem cores, pequenina e vinda do Paraguai. E havia alguma coisa errada no ar, dava pra sentir. Daí a pouco vi naquela telinha o carro do Senna explodindo no muro; pensei assim: "Pô, que chato o cara sair da corrida logo agora!" Só que ele não saiu foi do carro. Um amigo meu gritou no instante exato da batida: "Morreu, morreu!" Como morreu? Era só uma batidinha de nada, ele iria sair do carro e caminhar de cabeça baixa para o box. Errado, ele estava mal. E quando falaram o seu quadro clínico, o japonês que morava comigo e fazia medicina falou que ele não sobreviveria. Mais um pouco e veio a notícia: Senna morreu! O resto da história todo mundo conhece e deve ter sentido o mesmo, ou seja, um sentimento de incredulidade, uma vontade de saber que aquilo não tinha acontecido.
Naquele final de semana, pouca gente teria pensado na dor e nas conseqüências da tragédia para uma pessoa, talvez a terceira vítima: Rubinho Barrichello. Quando as lágrimas secaram e tudo foi obrigado a seguir o seu curso, aquele piloto novo, arrojado, já não era mais o mesmo. O acidente grave havia sido um golpe fatal na sua carreira, de conseqüências potencializadas pela morte do amigo e mestre. No começo, veio a ilusão de substituir o ídolo no coração dos brasileiros. Teve até capacete para imitar o Senna e várias promessas de vitórias. Só que as marcas do final de semana foram bem mais profundas e comprometeram a carreira do Rubinho. Pouco a pouco, ele foi vendo um país inteiro jogar esperanças nas suas costas, ao mesmo tempo que um medo parecia tomar conta de si em cada curva fechada.
Hoje, o Rubinho está numa posição muito complicada, num verdadeiro beco sem saída. Ninguém, nem ele mesmo, sabe se ele tem capacidade e habilidade para enfrentar de igual para igual talentos como o alemão Schumacher. Foi muita responsabilidade para um piloto que deveria estar livre e descompromissado para pisar fundo e arriscar tudo, mesmo tendo que enfrentar os inevitáveis erros da inexperiência. Este ano, ele já começou com um pé atrás, não quer dar falsas esperanças para a torcida brasileira. Mas não adianta, pois o torcedor sabe que só ele pode dar alguma alegria na Fórmula 1 ao Brasil neste momento. Por isso, o que se viu foi uma torcida fanática urrando a cada vez que ele acelerava na pista de Interlagos. E deu pra ver claramente as conseqüências daquele final de semana de dois anos atrás: depois do erro do Rubinho, era pra galera ficar apenas desconsolada por sua saída da corrida. Mas não, muita gente se revoltou e falou barbaridades sobre ele. Se a torcida é injusta, talvez seja por causa da ferida que ficou com a morte do Senna, e ninguém pode culpá-la por isso. Triste para o Rubinho, que tem que conviver com esse carma.
Pois é, situações como a do Barrichello são muito complicadas, ainda mais para jovens com todo um futuro aos olhos. Às vezes as coisas são mais simples, às vezes se é somente o filho único, mas já é difícil. Receber todas as esperanças e expectativas de alguém é uma barra muito pesada e há bastante jovem por aí nessa situação. Resta torcer para que pessoas como o Rubinho consigam se dar bem e vencer toda a pressão que carregam.
Até a semana que vem, sempre com muitas saudades do Senna. Valeu!
Alexandre Henry