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A coluna "Modo de Ver" foi publicada semanalmente no jornal Correio de Uberlândia de janeiro de 1996 a dezembro de 2016. A partir de 2017, os textos passaram a ser publicados no Diário do Comércio de Uberlândia.


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3 de Setembro de 2015 Alexandre Henry

Refúgio na toca

Durante as duas décadas em que morei com meus pais, não tenho lembranças de gritos dentro de casa, muito menos de xingamentos. Aliás, palavrão foi algo que só entrou no meu vocabulário depois de eu ter ido fazer faculdade em São Paulo. Não que minha casa fosse o mais perfeito dos lares, não é isso. Mas, sempre foi um lugar relativamente sossegado.

Falando em São Paulo, mudei-me para lá e foi a primeira vez na vida em que não tive paz em casa. Fui morar em uma espécie de pensionato com mais sete estudantes. A turma era boa e conservo dois como amigos até hoje. O problema era o casal de velhinhos dono do lugar, que entrava no quarto da gente a qualquer hora, sem bater na porta, revistando gavetas e armários como se fôssemos bandidos. Muito ruim. Passei poucos meses lá e depois me mudei para o apartamento do meu amigo Sérgio. Moramos juntos quase quatro anos e não me lembro de brigarmos, de ter gritaria por lá (exceto nos dias de jogos do Corinthians) ou barulheira enlouquecedora (exceto quando ensaiávamos com a nossa banda). Era um lugar de paz, onde nos reuníamos com os amigos para jogar conversa fora e ouvir música.

Foram essas experiências que me moldaram e me fizeram entender que a casa da gente tem que ser uma toca de refúgio, um lugar onde você se sente bem, pode descansar com tranquilidade, pode se proteger desse mundo tão desgastante. Depois que me casei, as coisas não mudaram. Tudo bem que voltei de SP com um linguajar menos refinado e, principalmente quando me machuco, os gritos se tornam um desabafo inevitável, mas a regra é a minha casa ser silenciosa e calma. Sem gritos, sem agressões, sem caras fechadas por semanas a fio, como se vê em alguns lares. Às vezes, discussões acontecem, como aconteciam na casa do meu pai. Mas, nada que não seja normal de uma convivência diária.

Não sei se eu conseguiria viver em uma casa sem paz, na qual uns começassem a gritar com os outros logo de manhã, onde palavrões dessem o tom dos diálogos ou semblantes fechados fossem marca registrada de seus moradores, permeados com lágrimas tão rotineiras quanto as trocas de mágoas. Se eu não puder ter paz em casa, onde mais conseguirei ter? É tão bom acordar pela manhã e curtir aquele silêncio, depois ouvir um “bom dia” educado, ainda que nem sempre muito animado, tomar café no sossego e saber que, quando o trabalho terminar, o seu refúgio estará lá te esperando, para que você possa tomar um bom banho, relaxar um pouco, dormir tranquilamente e recuperar as energias para mais um dia na selva. Se você não tem nada disso, reflita sobre o que está errado em sua vida. Paz em casa é requisito para uma vida feliz.

Alexandre Henry

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