
O mundo está chato
O mundo está chato, muito chato. Começo a sentir saudade da realidade que me cercava há pouco mais de duas décadas, o que não é algo muito usual para mim, cujo olhar sempre foi voltado para o amanhã. Minha saudade não é tanto da segurança que a gente tinha nas ruas, a vida desplugada, os papos na esquina, a energia natural da juventude. Minha saudade é de um mundo menos chato.
Sou o filho do meio e aprendi a olhar para os dois lados em quase tudo o que me chega aos sentidos. Talvez por isso a profissão de juiz me caia tão naturalmente e me seja tão agradável. Gosto do bom senso, do meio termo, da ponderação. A natureza não é assim, busca sempre o equilíbrio? Os extremos excluem, limitam a diversidade, tendem ao expurgo de tudo aquilo que se distancia da estrada única que é a marca de qualquer extremo. Por isso, gosto do meio, pois nele a gente consegue enxergar os dois lados e saborear um pouco de cada nuance do que nos cerca.
Mas, o mundo agora está chato, muito chato. A cada dia que passa, tenho a sensação de que os dias atuais são marcados por uma cruzada que rejeita quem não pensa igual e, pior do que isso, rejeita quem não aceita formar fileiras nos extremos. Há que se levantar uma bandeira e cantar um hino. Há que se armar contra o inimigo. Há que se proferir a abjeta frase “quem não está conosco, está contra nós”. Ponderar significa afrontar o que supostamente é certo e inquestionável, como se mergulhássemos novamente em uma Idade Média feita de dogmas enclausurantes. Ter uma opinião que não abriga algum dos lados é não ter opinião, é viver em cima de um muro, como se o muro não fosse um bom lugar para enxergar os dois quintais que se confrontam. E adotar, ainda que eventualmente, uma posição que não seja a defendida ardorosamente pelo interlocutor, é uma confissão irrevogável de que você passou para o outro lado, mesmo que há cinco minutos você tenha concordado com outra ideia desse mesmo interlocutor. Tristes tempos de impaciência, de adjetivação antes de qualquer diálogo, de ouvidos surdos e mentes que só interpretam da forma como lhes é mais conveniente.
O bom senso está moribundo, abatido quase de morte pelas hordas de radicais que apareceram como ervas daninhas, após cada um ganhar seu próprio palanque nas redes sociais. Os ponderados vão à forca, os adjetivos antecedem os substantivos e a reflexão é perda de tempo: urgente é agir para combater o pensamento divergente. Sofro com isso, como sofro. A perspectiva de diálogo até com quem antes me era tão próximo se esvai e essa realidade me atemoriza. Assustado, vou me recolhendo aos poucos, na certeza de que o mundo realmente está chato, extremamente chato.
Alexandre Henry