
E o Bilu se foi
Foi tudo muito rápido. Pouco antes da meia-noite que marcaria o final do último domingo, eu estava na cozinha e ouvi minha esposa me chamar. A gente sabe quando as coisas não estão bem pelo tom de voz da pessoa. E o tom da voz dela indicava que era algo grave. Quando cheguei ao nosso quarto, Bilu, o gato persa que vivia conosco havia quase onze anos, estava dando os últimos suspiros agonizantes. Não entendo nada de medicina humana ou veterinária, mas meu instinto me levou a começar uma massagem cardíaca naquele meu companheiro de tantos anos, só que nada mais adiantava. Em dois minutos, o peludão que andava tranquilo pela casa já não estava conosco.
Com um aperto no coração, eu me despedi dele. Dessa vez, sem lágrimas. Eu já havia perdido dois gatos anos atrás, os dois atropelados, e por eles havia chorado muito. Sim, quem nunca verteu uma lágrima por um animal de estimação é porque nunca gostou de verdade de um companheiro desses. Mas, o Bilu, carinhosamente chamado pela minha filha de Bil, não me fez chorar. A razão? Talvez o fato de ter sido algo natural, sem sofrimento, embora eu ainda esperasse que ele vivesse um bom tempo, já que gatos às vezes chegam aos 20 anos de idade. De toda forma, sempre vi uma partida assim como algo abençoado. Meus avós paternos partiram dessa forma. Vô Antônio tinha 92 anos, era lúcido e independente, fazendo praticamente de tudo. Sentiu-se mal apenas uma semana e logo nos deixou. Vó Joana, tão lúcida a ponto de cuidar da casa praticamente sozinha, já tinha 88 anos quando se deitou no sábado e não levantou no domingo. Chorei pelos dois, claro, mas não foi um choro de revolta, foi só de saudade mesmo. Embora a morte seja algo que todos queiramos negar, algo que sempre traz uma dose inevitável de dor, a sua compreensão e aceitação se mostram muito mais tranquilas quando a morte, dentre todo o infinito criativo em que ela é capaz de se mostrar, vem de forma serena e leva, quase sem sofrimento, quem já viveu um tempo razoável.
E foi assim mesmo, de forma serena e quase sem sofrimento, que nosso Bil se foi. Para nós, ainda que não exista revolta, fica um vazio, pois a partida pode até ser natural, mas nunca deixa de ser uma partida. Nossa casa era toda preparada para a presença de um bichano, das vasilhas de água e comida à banqueta na beirada da cama, para ele conseguir subir. Até os pelos que tanto nos faziam raiva irão fazer falta. A vida continua e a lembrança permanece. Por decisão conjunta, não vamos substituí-lo. A casa ficará assim por um tempo: sem portas arranhadas, sem pelos voando, sem miados por comida pela manhã, sem uma companhia que se deleitava com um simples carinho.
Alexandre Henry