
O desejo de superação
Enquanto eu escrevia este texto, meu irmão Jáder e meu tio Orlando estavam descansando em um hotel de Campinas. Era o terceiro dia de pedal deles rumo ao litoral norte de São Paulo, saindo de Uberlândia, tendo os dois já alcançado a marca de 497,6 km pedalados debaixo de muito sol. Eles poderiam ter feito a viagem de carro, ônibus ou avião. Poderiam até nem ter viajado. Mas quiseram ir de bicicleta e só servia se fosse desse jeito.
Algo assim não tem uma lógica, não é racional. Porém, além do cérebro, existem a alma e o coração. O ser humano é movido, desde o começo de sua existência, por um desejo nato de superar limites. Nem todos os seres humanos, admito. Mas há uma parte especial da população que não se contenta em viver dentro das fronteiras usuais, sejam elas limites geográficos, do corpo humano, da tecnologia ou da criatividade.
Não fosse essa característica nossa, ainda seríamos primatas vivendo em florestas no continente africano, nas mesmas condições que os demais animais. Cada pedacinho explorado deste nosso planeta só recebeu as pegadas humanas porque alguém não se contentou em conhecer apenas o que já havia sido conhecido por outra pessoa.
Da mesma forma, não há razão para corrermos 100 metros rasos em menos de dez segundos, a menos que estejamos fugindo de um leão, o que é pouco provável de acontecer nos dias atuais. Mas tem gente que quer correr.
Não é só pelo dinheiro, pela fama ou o que valha: é também – para alguns, esse é o grande o motivo – para alcançar a sensação de graça que se tem quando você percebe que conseguiu superar uma fronteira. Não precisa nem ter feito melhor do que os outros. Para a maioria, basta ter feito melhor do que se imaginou poder fazer algum dia.
Muitos ciclistas já pedalaram centenas ou milhares de quilômetros a mais que meu irmão. Mas ele nunca pedalou essa distância e isso é o que vale. Vai acrescentar alguma coisa à vida dele? Aos olhos das outras pessoas, não. Mas, aos dele, sim. Superar os próprios limites faz com que a pessoa se sinta mais viva e, principalmente, muito mais capaz. Quem não quer se sentir assim?
É certo que a maioria das pessoas vive em uma zona de conforto e se recusa terminantemente a abandoná-la. Desejar o conforto e a segurança é outra característica humana bem forte. Não condeno quem age assim.
Eu mesmo vivo me deleitando com minha rotina previsível e agradável, sem maiores surpresas ou suores. Mas as poucas vezes em que decidi sair dessa zona de conforto me fizeram ter a certeza de que vale a pena, como vale.
Mais do que isso, as vezes em que superei meus limites me fizeram admirar ainda mais as pessoas que, ao longo da história da humanidade, lançaram-se a mares desconhecidos e descobriram novos mundos.
Alexandre Henry - Escritor