Modo de Ver

HOME   /   MODO DE VER   /   A ILUSÃO DA REDE

A coluna "Modo de Ver" foi publicada semanalmente no jornal Correio de Uberlândia de janeiro de 1996 a dezembro de 2016. A partir de 2017, os textos passaram a ser publicados no Diário do Comércio de Uberlândia.


0 Comentários  
652 Visualizações  
18 de Novembro de 2015 Alexandre Henry

A ilusão da rede

Foi chato e continua sendo muito chato. Você abre o Facebook e só encontra discussões estéreis sobre qual tragédia se deve apoiar, a francesa ou a mineira. Aliás, não são apenas discussões, mas também inúmeras postagens com apelos para as consequências do horror que vimos em ambos os lugares. Nada de novo, pois sempre que algo dessa magnitude acontece, instantaneamente as redes sociais se transformam para fazer parecer que o mundo todo está cuidando de não deixar mais que aquilo aconteça.

Triste ilusão. Antigamente, quando uma tragédia se materializava, as notícias chegavam pela TV, pelo rádio e pelos jornais. As pessoas liam e logo o tema monopolizava as rodas de conversas nos bares, escolas, trabalho e ao redor da mesa do jantar. Cada um dava a sua opinião e artigos inflamados acabavam aparecendo nos jornais. De concreto mesmo para ajudar a resolver o problema, quase nada. E hoje? A única diferença é que as notícias chegam mais rapidamente pela internet, que também virou o palco das discussões. Continua-se fazendo pouco ou quase nada para evitar novas enchentes de lama ou tiros terroristas. O mesmo sujeito que prega nas redes sociais a condenação da Vale pelo desastre ambiental é aquele que abre a janela do carro e joga o lixo na rua, lixo esse que vai parar nos rios e contribuir para a mortandade de peixes. O mesmo sujeito que condena o ataque terrorista na França e a intolerância religiosa apoia um deputado que defende a resolução dos problemas nacionais à bala e prega um modelo único e rígido de família, contribuindo para a intolerância.

Talvez o principal problema nem esteja aí. Há gente que não joga lixo na rua e nem apoia político fundamentalista. Gente do bem. Acontece, e talvez comigo mesmo, que as redes sociais, ainda mais do que as rodas de conversa de antigamente, acabam trazendo uma falsa ilusão de que você está fazendo alguma coisa para evitar que novas tragédias se repitam ou para reparar os estragos das que já ocorreram. Só que, no fundo, você está apenas verbalizando opiniões e travando discussões estéreis, que não trarão ajuda efetiva alguma para o presente ou o futuro. E, pior do que isso, você ainda acha que sua participação social é muito importante, pois aquelas postagens e os longos debates na internet te dão a sensação de que você realmente fez alguma coisa útil.

É preciso, e digo isso para mim mesmo, que tenhamos a consciência de que apenas palavras, ainda mais na internet, pouco ou quase nada podem ajudar no mundo de verdade, aquele mundo das pessoas que perderam tudo pela lama tóxica ou o tiro de fuzil. Redes sociais devem ser o ponto de partida para ações concretas e não apenas um palco da retórica que se esvai em si mesmo.

Alexandre Henry

Avalie o texto:

Envie seu comentário

Seu email não será exibido.*

captcha