Modo de Ver

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A coluna "Modo de Ver" foi publicada semanalmente no jornal Correio de Uberlândia de janeiro de 1996 a dezembro de 2016. A partir de 2017, os textos passaram a ser publicados no Diário do Comércio de Uberlândia.


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22 de Junho de 2016 Alexandre Henry

70 anos

A festa no próximo sábado seria grande, eu tenho certeza. Afinal de contas, não é todo dia que se completa 70 anos de idade, não é mesmo? Mas, eu não consigo imaginar nem mesmo como seria essa festa, pois as referências foram se perdendo no tempo. Lá se vão quase 33 anos que minha mãe faleceu e não me restou muito dela além da certeza de que ela existiu e me amou.

Não pensar no assunto foi uma maneira que eu encontrei para não doer tanto por dentro. O aniversário dela, dia 25 de junho, passou em branco para mim durante muitos anos, sem que ao menos eu me lembrasse por um instante que aquela seria uma data muito especial se não fosse uma doença rara a atravessar o caminho da minha mãe. Blindei-me, simples assim. Nem foi tão difícil, pois tenho uma habilidade grande para guardar datas, mas, ao mesmo tempo, raramente penso no passado. Em alguns poucos momentos, confesso, já me peguei pensando em como seria minha vida se ela não tivesse partido tão cedo. Perder a mãe em qualquer tempo é um massacre emocional. Aos sete anos de idade, chega a soar como uma gozação macabra do destino. É tão pouca existência juntos que não consigo me lembrar da voz, do cheiro e, mais dolorido, até os traços do rosto vão se apagando na medida em que dou um novo passo na estrada da minha vida. Fotos amareladas representam as poucas lembranças. Por isso, sei que eu seria bem diferente do que sou se ela não tivesse partido tão cedo, mas também não consigo imaginar como eu seria se, hoje, estivesse pensando na festa do próximo sábado.

Mãe faz falta. Eu não queria ter crescido tão independente, em uma autossuficiência que nunca passou de um truque para não ser engolido pelo mundo. Eu queria ter podido ter um colo para deitar e chorar de vez em quando, sem ter que ser forte o tempo inteiro. Queria levar broncas e ouvir calado, porque mãe sempre tem razão, mesmo quando não tem. Queria ter sido uma criança por décadas, porque, perto de mãe, a gente continua sendo criança mesmo depois que a barba cresce e os cabelos começam a cair. Só que não foi assim e isso dói de vez em quando. Dói pensar que ela viu tão poucos passos que eu dei, que não estava ao meu lado quando comecei a conhecer o mundo, que não chorou de felicidade comigo quando minha filha nasceu. Isso dói.

O mundo é muito bruto para a gente crescer sem mãe. Mesmo que você encontre pelo caminho outra pessoa que tenha por você um amor maternal gigantesco, o coração sabe que aquela armadura toda não existiria se o destino não tivesse pregado uma peça tão triste. Difícil. Não vou chorar neste sábado, pois já chorei muito ao escrever este texto. Feliz aniversário, minha mãe!

Alexandre Henry

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