
Lembranças de Dona Fiinha
Maria Margarida da Silva, dona Fiinha, faleceu no dia 15 de março deste ano, com 84 anos de idade. Era a mais antiga baiana da Escola de Samba Tabajara. Olha o que ela me contou:
“Nasci em 1928, na rua da Vassoura, no Patrimônio. Ficava paralela com a General Osório. Era um trilho. O Patrimônio só tinha uma rua, a General Osório. As casas eram levantadas sem alinhamento, sem nada. Não tinha energia elétrica. Quem pôs os primeiros postes, foi o Ladeira. Assim mesmo só na metade da rua General Osório.
Minhas conhecidas eram a Sadonana, bisavó do Jonas; Sá Manela, mãe do Marquinho, dona Maria Baiana, mãe do Baiano e do Parafuso; a dona Delfina, mãe do Betinho. O Paiaço veio de Uberaba. Meu pai era o Belisário, veio menino pra cá. Trabalhou com gado em fazenda e no Omega, no varal, salgando. Minha mãe era a Maria Joana que lavava roupa pro seu Andraus Gassani e pro Custódio Pereira.
O cruzeiro ficava no alto do morro, ao lado da casa de dona Rosária. Me lembro dele desde menina. No tempo da seca, a gente fazia penitência, procissão. Dava a volta na General Osório carregando andor, punha as crianças pra acompanhar a procissão, todas descalças. Uns com garrafa d’água, outros com lata, outros com litro.
A procissão saia de qualquer casa. Antes se rezava um terço pedindo a Deus pra mandar chuva. A gente saia rezando, não tinha padre, não tinha nenhum religioso, quem ia puxando a reza era dona Izabel. Chegava no cruzeiro, todo mundo de frente, uns ajoelhavam, outros não. Os que traziam água despejavam no pé do cruzeiro, coberto de pedras. Aí rezava outro terço. Ali mesmo acabava a procissão, cada um voltava pra sua casa. Parece que dava resultado.
A primeira igreja que tinha aqui ficava lá perto do matadouro. Desmancharam e fizeram uma venda.
Na véspera de Santa Luzia, quase todas as casas da General Osório tinham mesa dos inocentes. E terço. A gente saía de uma casa e ia pra outra. Era assim o dia inteiro até de noite.
A mesa dos inocentes era preparada por quem fazia voto de dar comida, ou salgadinhos, ou doces para as crianças até oito anos. Nos dias de São João e Santo Antônio, também tinha festa e terço em quase todas as casas. Lá do alto do cruzeiro se viam as casas todas com mastro de São Pedro.
No Carnaval, os moços e as moças brincavam na rua. De tardezinha, iam todos lá pra rua da Vassoura, desciam e subindo, as mocinhas dançando, os rapazes batendo em caixas, latas, em qualquer coisa pra fazer o ritmo. Cantavam muito “A Jardineira”.
Eram a Maria Helena, a Lenica, a Nenê, o Nelo, o Adauto, o João Batista, a Índia (mulher do Paiaço), das Dor, a Tinha mãe da Rosa do Miguel. As crianças sempre tinham uma fantasiazinha. Ali na rua da Vassoura, morava quase toda a minha família. Meu avô, Henrique Belisário, que tinha um terno de Moçambique, meu pai, o tio Neca, a tia Pedade. Quando meu avô chegou aqui, não tinha quase ninguém no Patrimônio.
Meu pai, o Belisário Henrique, mexeu com futebol. Eu era torcedora fanática do Guarany. Quando tinha jogo, subiam as famílias todas, armadas de sombrinhas que eram a nossa defesa. Certo jogo, meu marido estava apitando e disseram que ele estava roubando e entraram no campo dando chutes e tapas nele. A mulherada entrou atrás, de sombrinha, defendendo o Belisário e não deixaram que tirassem o apito dele.